Transparência na autoria: Como definir contribuições em projetos científicos complexos – Et al. #321

A ciência do século XXI é, cada vez mais, um empreendimento coletivo. Projetos que envolvem dezenas — às vezes centenas — de pesquisadores, múltiplas instituições, financiamento internacional e diversas áreas do conhecimento são hoje comuns.

Diante desse novo paradigma, um desafio ético e prático tem levado a comunidade acadêmica, os editores e os publishers a se questionarem: como atribuir autoria de forma justa, transparente e verificável em trabalhos científicos complexos? A resposta tem sido construída por meio de normas internacionais, como a taxonomia CRediT, e de estratégias institucionais que visam prevenir disputas, garantir o mérito e preservar a integridade científica.

Tradicionalmente, a autoria de artigos científicos seguia critérios ambíguos, frequentemente baseados em hierarquia, prestígio ou mesmo convenções locais, como a inclusão automática de orientadores, chefes de laboratório ou financiadores.

Essa prática não apenas compromete a justiça, como também abre espaço para a má conduta acadêmica. Casos de autoria fantasma (omissão de contribuintes reais), autoria honorária (inclusão de nomes sem contribuição efetiva) e disputas litigiosas sobre a ordem dos autores tornaram-se cada vez mais frequentes, expondo a fragilidade de critérios informais.

Foi nesse contexto que surgiu a taxonomia CRediT (Contributor Roles Taxonomy), um sistema que classifica as contribuições em 14 categorias distintas, como: concepção e desenho metodológico, coleta de dados, análise formal, visualização, redação original, revisão crítica, administração do projeto, entre outras. Essa taxonomia permite uma descrição minuciosa de quem fez o quê, funcionando como um mapa da contribuição de cada autor. Ao dissociar autoria da simples presença no nome do artigo e associá-la a tarefas específicas, o sistema favorece a transparência e reduz significativamente o espaço para manipulação de créditos.

Um exemplo prático da eficácia dessa abordagem pode ser visto nos artigos produzidos pelo consórcio internacional Human Cell Atlas, que reúne centenas de cientistas de todo o mundo. Dado o número massivo de participantes e a complexidade dos dados biotecnológicos envolvidos, seria inviável determinar contribuições por critérios tradicionais.

A aplicação da taxonomia CRediT permitiu a explicitação das funções de cada membro, garantindo que programadores de bioinformática, biólogos moleculares, estatísticos e editores científicos fossem adequadamente reconhecidos — independentemente da posição hierárquica ou prestígio institucional.

Outro caso relevante é o da colaboração entre a empresa farmacêutica Pfizer e a BioNTech, na produção e divulgação dos resultados da vacina contra a Covid-19. Os artigos publicados foram acompanhados de declarações de autoria detalhadas, que informavam as funções específicas dos envolvidos — desde a coordenação clínica até a análise estatística e a redação científica. Essa transparência foi fundamental para a aceitação pública e científica da vacina, especialmente em um momento em que a desinformação ameaçava comprometer a confiança nas evidências científicas.

Apesar dos avanços, a implementação ampla e efetiva da CRediT ainda enfrenta obstáculos. Muitos periódicos não exigem ou sequer aceitam essa taxonomia, preferindo modelos tradicionais de autoria. Além disso, há resistência cultural em diversas áreas do conhecimento, onde a ideia de “autoria coletiva” ainda se sobrepõe à noção de contribuição individual.

Para superar esse cenário, instituições de pesquisa, agências de fomento e universidades precisam adotar políticas claras de reconhecimento e exigir, desde a fase inicial dos projetos, a elaboração de acordos formais de autoria. Esses documentos, revistos periodicamente, devem registrar as funções atribuídas a cada participante e estar alinhados com as diretrizes dos periódicos-alvo.

Outra estratégia recomendada por comitês de ética em pesquisa e por organizações como o COPE (Committee on Publication Ethics) é a realização de reuniões periódicas de avaliação de autoria ao longo do projeto. Esses encontros, que podem ser conduzidos por gestores ou comitês internos de integridade, ajudam a reavaliar as contribuições, registrar alterações de escopo e resolver conflitos potenciais antes que eles se tornem problemas éticos ou jurídicos.

Vale lembrar que a clareza na autoria não é apenas um princípio moral, mas um fator de impacto direto na carreira dos pesquisadores. Em países como o Reino Unido e a Austrália, as agências de avaliação de desempenho acadêmico passaram a considerar não apenas a quantidade de publicações, mas a qualidade e a natureza da contribuição registrada — especialmente nos casos em que a taxonomia CRediT é usada. Isso significa que um pesquisador que contribuiu com “análise formal” e “visualização de dados”, por exemplo, terá seu papel mais valorizado do que se fosse apenas listado como autor sem função atribuída.

Por fim, é fundamental promover uma mudança de cultura na ciência, na qual o mérito individual seja reconhecido com base em critérios transparentes e verificáveis, e não em práticas opacas ou puramente tradicionais. A ciência precisa ser um espaço de colaboração ética, reconhecimento justo e responsabilidade compartilhada. A transparência na autoria é, portanto, um passo decisivo não apenas para evitar conflitos, mas também para construir um ecossistema de pesquisa mais honesto, confiável e inovador.

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Foto: jorfer/Freepik

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