Revisão por pares em múltiplas rodadas: quando insistir e quando rejeitar — Et al. #348

A revisão por pares é, por definição, um processo de depuração intelectual. É ela que separa o que tem solidez metodológica do que precisa ser refeito, e o que colabora para o avanço do conhecimento científico daquilo que oferece pouco valor adicional.

Nesse sentido, editores e gestores de periódicos têm enfrentado um dilema crescente: até que ponto vale insistir em rodadas sucessivas de avaliação, frequentemente longas e exaustivas, e quando é mais adequado rejeitar o manuscrito para evitar desgaste editorial?

Encontrar o equilíbrio entre rigor e eficiência é essencial para manter a qualidade científica, mas também para garantir a sustentabilidade operacional.

O ponto de partida é reconhecer que revisões extensas não são, por si mesmas, um problema. Muitos trabalhos relevantes passam por processos rigorosos que demandam tempo, ajustes metodológicos, novas análises e reescritas profundas.

Em áreas como ciências da saúde, engenharias ou ciências ambientais, é comum que novas rodadas produzam melhorias substanciais no desenho experimental, na transparência dos dados ou na interpretação dos resultados.

Ou seja, insistir faz sentido quando há evidências de que o manuscrito tem potencial científico real, ainda que esteja bruto. A revisão atua como um refinamento, e o tempo investido se traduz em credibilidade para o periódico.

Mas a prática editorial mostra que nem sempre essa insistência se justifica. Há situações em que o manuscrito apresenta fragilidades estruturais que dificilmente serão corrigidas, mesmo após várias rodadas. Falhas conceituais, ausência de fundamentação teórica ou problemas graves na coleta e na integridade dos dados geralmente indicam que o esforço de revisão não será suficiente para tornar o artigo publicável.

Nesse cenário, prolongar o processo apenas gera frustração para autores, revisores e editores. A rejeição se torna um ato de honestidade acadêmica e de preservação do tempo e dos recursos envolvidos.

O desafio está em identificar, com clareza, quando um trabalho está em uma ou outra situação. A primeira pista costuma estar na consistência das respostas dos autores. Quando eles conseguem dialogar tecnicamente com as críticas, apresentar evidências, justificar decisões metodológicas e demonstrar evolução na qualidade do texto, há um indicativo de que vale continuar.

Nesses casos, mesmo revisões duras se tornam oportunidades formativas para equipes de pesquisa, especialmente para autores iniciantes. Por outro lado, quando as respostas são superficiais, defensivas ou desconectadas do que foi solicitado, a probabilidade de que o manuscrito não amadurecerá é alta.

Outro ponto fundamental é o alinhamento com o escopo e os critérios do periódico. Revisores podem sugerir uma lista interminável de melhorias (todas pertinentes), mas que, no conjunto, não alteram o fato de que o artigo não se ajusta às prioridades da revista.

Assim, a insistência em múltiplas rodadas gera desgaste sem beneficiar a comunidade científica. Cabe ao editor assumir o papel estratégico de mediador: reconhecer contribuições dos revisores, orientar os autores com transparência e tomar decisões que preservem a identidade editorial.

Além disso, o modelo tradicional de rodadas sequenciais tem sido questionado em um contexto de crescente pressão por eficiência. O volume de submissões aumentou, revisores estão mais sobrecarregados e periódicos buscam reduzir prazos decisórios.

Por isso, muitos editores adotam estratégias como revisões paralelas, metas claras para cada rodada, triagens editoriais mais robustas e processos de desk reject qualificados. Essas abordagens reduzem a necessidade de revisões prolongadas e tornam o sistema mais previsível para todas as partes envolvidas.

Assimetria de expectativas

Também é importante abordar esse aspecto. Autores, geralmente, interpretam a continuidade do processo como sinal de que o artigo será aceito eventualmente. Revisores, por outro lado, enxergam múltiplas rodadas como indicativo de que o trabalho ainda está distante do padrão esperado. Já os editores estão no meio desse conflito, tentando equilibrar rigor, transparência e fluxo de produção.

Uma comunicação clara, sobre o que se espera de cada rodada, quais revisões são obrigatórias e qual é o limite razoável do processo, evita frustrações e aumenta a confiança na revista.

O ponto final da discussão é ético: insistir demais pode penalizar autores que precisam de respostas rápidas para fins de carreira, relatórios institucionais ou continuidade de pesquisa. Rejeitar rapidamente, por sua vez, pode inibir a publicação de estudos valiosos que apenas exigiam lapidação. O equilíbrio, portanto, não se encontra em fórmulas, mas em critérios consistentes aplicados com sensibilidade editorial.

Conclui-se que revisões em múltiplas rodadas são parte natural do ecossistema científico, mas não devem se transformar em um ciclo infinito. Insiste-se quando há mérito claro, quando as respostas demonstram engajamento e quando o potencial do estudo justifica o investimento de tempo coletivo.

Rejeita-se quando o processo deixa de acrescentar valor, quando surgem limites metodológicos incontornáveis ou quando a insistência compromete a eficiência editorial. O editor, nesse cenário, atua menos como árbitro e mais como gestor de expectativas e guardião da integridade científica.

O futuro da revisão por pares dependerá da capacidade das revistas de integrar rigor e agilidade. Mais do que acelerar processos, trata-se de adotar decisões editoriais mais conscientes, fundamentadas e transparentes. É esse equilíbrio que preservará, ao mesmo tempo, a qualidade da literatura científica e o respeito ao trabalho de autores e revisores.

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