Imagens, gráficos e dados são elementos tão centrais quanto o próprio texto científico. Em um artigo, por exemplo, uma figura pode sintetizar meses de experimentos; uma tabela, condensar um volume expressivo de observações, enquanto um dataset pode tornar-se um ativo de pesquisa de grande valor público.
No entanto, a reutilização desses elementos em novas publicações traz consigo um território jurídico e ético cada vez mais complexo: o dos direitos autorais e de reprodução.
A digitalização da ciência e a ampliação dos repositórios de dados abertos aumentaram a circulação de conteúdos gráficos e visuais. Contudo, essa expansão também expôs lacunas de conhecimento sobre licenças, permissões e atribuições corretas, tanto entre autores quanto entre editores. As consequências podem ir de retratações editoriais até litígios legais — afetando a credibilidade de periódicos e instituições.
É comum que pesquisadores, ao redigir um novo artigo, reutilizem figuras publicadas anteriormente por eles mesmos ou por outros grupos, acreditando que basta citar a fonte. Entretanto, a titularidade dos direitos frequentemente pertence à editora que publicou o trabalho original, e não ao autor. Assim, mesmo o próprio criador intelectual pode precisar de autorização formal para reproduzir a imagem em outro periódico.
A confusão se agrava com a coexistência de múltiplos regimes de licenciamento — do copyright tradicional ao Creative Commons (CC-BY, CC-BY-NC, CC0 etc.) — que definem diferentes níveis de liberdade para reúso. Muitos autores não leem as cláusulas editoriais que transferem direitos patrimoniais, e os periódicos, por sua vez, falham em instruir claramente sobre as exigências.
São diversas as situações enfrentadas por autores e editores, acompanhadas de boas práticas e estratégias preventivas. Confira os principais problemas e soluções:
Reutilização de figuras publicadas sem autorização
Muitos pesquisadores copiam figuras de artigos anteriores, supondo que citar a fonte é suficiente. Essa prática pode configurar violação de copyright, especialmente se o periódico original mantiver direitos exclusivos.
A sugestão é verificar o tipo de licença de cada figura antes da reutilização. Caso não haja menção a licenças abertas (como CC-BY), solicitar permissão formal ao detentor dos direitos. Plataformas como RightsLink (Copyright Clearance Center) facilitam o processo de solicitação.
Falta de clareza sobre quem detém os direitos de imagens criadas por múltiplos autores
Em pesquisas colaborativas, o autor que desenhou uma figura pode não ser o titular dos direitos, caso tenha produzido o material sob contrato institucional. Portanto, é fundamental especificar, no momento da submissão, a origem e titularidade de cada elemento visual. Instituições podem adotar formulários internos que definam a cessão de direitos de figuras e ilustrações, prevenindo disputas futuras.
Uso de gráficos e tabelas gerados a partir de dados de terceiros
Mesmo que os dados sejam públicos, o formato do gráfico ou a seleção dos dados pode estar protegida por direito autoral, pois reflete uma criação intelectual.
Nesse caso, a ideia é recriar as visualizações a partir dos dados originais, sempre com atribuição adequada à fonte. Quando possível, usar datasets com licenças abertas, como as fornecidas por Zenodo, Figshare ou Dryad, que garantem clareza jurídica para reúso.
Ambiguidade nas políticas de licenciamento entre periódicos
Um mesmo autor pode submeter artigos a periódicos com políticas opostas: alguns exigem cessão integral de direitos; outros, publicam sob licenças abertas.
A solução: os editores devem manter políticas de copyright transparentes e padronizadas, preferencialmente baseadas em diretrizes como as da Creative Commons e da Budapest Open Access Initiative (BOAI). Os autores devem ser orientados, no momento da submissão, a compreender e escolher conscientemente o tipo de licença.
Ausência de controle editorial sobre imagens recebidas de autores
Muitos periódicos não possuem mecanismos para rastrear se figuras enviadas foram obtidas legalmente. O ideal é implementar checklists de submissão que obriguem o autor a declarar a origem e licença de cada figura, além de exigir documentação comprobatória quando se tratar de material previamente publicado.
Reutilização de dados sensíveis ou proprietários
Alguns datasets contêm informações restritas, obtidas sob acordos de confidencialidade ou sem consentimento claro para compartilhamento.
A sugestão é que os editores solicitem termos de uso e consentimento. Os autores devem anonimizar dados e verificar se os termos de coleta permitem republicação. Ferramentas como o Open Data Commons License ajudam a definir as condições de compartilhamento.
Repositórios e bancos de imagens sem licenciamento explícito
O uso de imagens encontradas em buscadores ou bancos “gratuitos” pode ser enganoso — nem todo conteúdo disponível online é livre de copyright. Uma boa opção é utilizar apenas bancos científicos e acadêmicos com licenças definidas, como Wikimedia Commons (CC), PLOS Image Bank ou bancos institucionais de universidades. Citações visuais devem incluir link para a licença correspondente.
Falta de formação em direitos autorais entre pesquisadores
Grande parte das violações ocorre por desconhecimento, não por má-fé. A formação acadêmica raramente aborda aspectos jurídicos de propriedade intelectual. Por isso, é importante que universidades e editoras ofereçam treinamentos, webinars e manuais sobre copyright e licenciamento, estimulando uma cultura de integridade editorial.
O papel dos editores e publishers na prevenção
As editoras científicas devem adotar políticas editoriais claras, formulários padronizados e revisões específicas de direitos autorais durante a triagem inicial de artigos, pois esses processos podem reduzir drasticamente riscos legais.
Além disso, é viável usar softwares de verificação de imagens duplicadas, que vêm se tornando uma ferramenta valiosa na detecção de plágio visual. Do mesmo modo, a inclusão de revisores especializados em integridade de dados visuais pode reforçar a credibilidade dos periódicos.
Dados abertos e responsabilidade compartilhada
À medida que a ciência aberta avança, os direitos autorais tornam-se menos barreira e mais parâmetro de responsabilidade compartilhada. O movimento por dados FAIR (Findable, Accessible, Interoperable, Reusable) demonstra que é possível equilibrar acesso amplo e respeito à propriedade intelectual.
A abertura não deve significar ausência de regras, mas clareza de papéis. Atribuir corretamente autoria, respeitar licenças e garantir transparência no reúso de figuras e dados é um exercício ético que fortalece a confiabilidade da ciência — e não um fardo burocrático.
Portanto, a questão dos direitos autorais em publicações científicas transcende o formalismo jurídico: trata-se de preservar a integridade da comunicação científica. Num contexto em que a reutilização de conteúdos visuais e dados é inevitável e necessária, a prevenção de violações de copyright exige consciência, padronização e formação.
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