Pilar fundamental da publicação científica, responsável por garantir a qualidade, validade e originalidade das pesquisas, a revisão por pares está em xeque. Há anos, essa metodologia, que opera de forma confidencial, vem sendo fortemente criticada.
A situação chegou a esse ponto devido à crescente falta de transparência e do perceptível potencial para viés, problemas frequentemente não detectados por editores e publishers. Com isso, acabam enfrentando certa desconfiança de todos os lados.
Em resposta, a comunidade científica tem buscado abraçar práticas de transparência e abertura nos processos editoriais, promovendo, por exemplo, a publicação de relatórios de revisão por pares e a adoção do open peer review.
A transparência na revisão por pares pode transformar significativamente a percepção e a prática desse método científico. Um dos benefícios mais nítidos é o aumento da credibilidade das publicações.
Quando os relatórios de revisão são públicos, outros pesquisadores conseguem verificar a rigorosidade das críticas e sugestões feitas, elevando a confiança nos resultados apresentados. Este nível de transparência mitiga conflitos de interesse e reduz a incidência de práticas antiéticas.
Além disso, a transparência pode promover um reconhecimento justo e merecido aos revisores. No sistema tradicional, revisores muitas vezes trabalham anonimamente e sem reconhecimento formal. A publicação dos relatórios de revisão permite que esses profissionais sejam valorizados por suas contribuições, incentivando um trabalho mais cuidadoso e detalhado.
Outro ganho significativo encontra-se no aspecto educacional. Relatórios de revisão públicos servem como recursos valiosos para novos pesquisadores, ajudando-os a entender o que constitui uma boa pesquisa e como responder a críticas construtivas. Esse aprendizado eleva o padrão das futuras submissões e contribuir para uma cultura de melhoria contínua na comunidade científica.
Implementação e práticas
A publicação de relatórios de revisão por pares envolve a disponibilização de comentários e sugestões dos revisores junto ao artigo. Essa atividade varia em termos de transparência, desde a publicação anônima dos relatórios até a identificação dos revisores. Revistas como eLife e BioMed Central já adotaram essa prática.
Para implementá-la de forma eficaz, as revistas precisam estabelecer diretrizes claras sobre como os relatórios serão publicados, garantindo que os comentários sejam apresentados de maneira adequada e ética.
Isso pode incluir a remoção de informações sensíveis ou potencialmente prejudiciais e a garantia de que os revisores estejam cientes de que seus comentários serão publicados.
Estudos de caso e evidências
Em 2020, estudo publicado na Nature Communications revelou que artigos revisados de forma transparente tendem a ser citados com mais frequência, sugerindo um impacto positivo na visibilidade e credibilidade dos trabalhos.
Além disso, a PLOS ONE, revista de acesso livre da Public Library of Science, revelou que revisores identificados e relatórios de revisão públicos reduzem o viés de confirmação e melhoram a qualidade das avaliações.
A publicação relatou ainda que, entre 2019 e 2021, mais de 17 mil artigos publicaram o histórico de avaliação por pares. Os dados registrados permitiram estudar o comportamento dos pareceristas.
De acordo com o levantamento, 17,8% das avaliações foram assinadas, correspondendo a cerca de 40 mil pareceristas. E 44% dos artigos que tiveram seu histórico publicado contavam com a assinatura de ao menos um dos pareceristas.
Como se vê, a open peer review vai além da simples publicação de relatórios de revisão. Ele envolve a abertura de todo o processo de revisão por pares, incluindo a identidade dos revisores e, em alguns casos, permitindo comentários públicos sobre os artigos.
Esse modelo também é adotado por revistas como a F1000Research e a PeerJ, que permitem aos revisores se identificar e que seus comentários sejam visíveis para todos.
O sistema open peer review oferece vários benefícios. A transparência total incentiva a responsabilidade e a integridade dos revisores, reduzindo a probabilidade de críticas injustas ou infundadas.
A identificação dos revisores também propicia a colaboração e o diálogo construtivo entre autores e revisores, melhorando significativamente a qualidade do trabalho final.
Além disso, a participação pública abre caminho para que a comunidade científica participe do processo de revisão, enriquecendo as discussões e identificando potenciais falhas ou áreas de melhoria.
Desafios
Apesar dos benefícios, a adoção de práticas de open peer review apresenta desafios significativos. A preocupação com a privacidade é uma das principais barreiras, pois alguns revisores podem se sentir desconfortáveis em expor sua identidade, especialmente em tópicos controversos. Isso pode levar a uma menor disposição para revisar artigos ou a críticas menos honestas.
Além disso, a transparência total pode resultar em conflitos abertos entre autores e revisores, potencialmente prejudicando relacionamentos profissionais.
A complexidade logística também é outro desafio, pois implementar um sistema de open peer review exige uma reestruturação significativa das práticas editoriais, demandando tempo e recursos adicionais.
Ademais, para que as práticas de transparência e open peer review se tornem mais comuns, é necessário um esforço coordenado da comunidade científica. Essa nova realidade inclui o desenvolvimento de diretrizes claras e padronizadas, a oferta de treinamentos para revisores e editores e a criação de incentivos para que todos participem de sistemas transparentes.
Recomendações
– Estabeleça diretrizes claras sobre como os relatórios de revisão serão publicados e como os revisores serão identificados.
– Forneça treinamento para revisores e editores sobre as melhores práticas de revisão transparente e open peer review.
– Crie incentivos, como reconhecimento formal e crédito acadêmico, para revisores que participam de sistemas transparentes.
– Implemente medidas para proteger informações sensíveis e garantir que os comentários sejam apresentados de maneira ética e profissional.
De fato, a adoção de práticas de transparência e abertura nos processos editoriais representa uma evolução necessária para enfrentar os problemas da revisão por pares tradicional.
A implementação dessas práticas certamente vai transformar a revisão por pares em um processo mais robusto, justo e benéfico para toda a comunidade científica, promovendo uma ciência mais transparente, confiável e acessível.
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