Embora a interdisciplinaridade na pesquisa científica há algum tempo já represente um paradigma crucial para o desenvolvimento e transmissão do conhecimento, esse processo ainda encontra certa resistência em determinados nichos.
Ao ultrapassar as fronteiras disciplinares tradicionais, os pesquisadores conseguem encontrar caminhos mais abrangentes e criativos para a resolução de problemas. No entanto, podem surgir obstáculos que demandem uma gestão mais cuidadosa dessa relação entre matérias.
Partindo deste contexto, a interdisciplinaridade na pesquisa deve ser tratada com seriedade, posto que, ao longo do tempo, tem gerado exemplos bem-sucedidos, sempre propondo reflexões para autores, editores, publishers e gestores de estabelecimentos de P&D.
Problemas complexos, como mudanças climáticas, desigualdades sociais, segurança pública e pandemias, exigem abordagens multifacetadas que uma única disciplina não pode oferecer, incluindo a combinação de diferentes perspectivas e métodos para a criação de soluções inovadoras. Por exemplo: a integração entre ciências ambientais, economia e políticas públicas tem sido essencial para desenvolver estratégias eficazes contra as mudanças climáticas.
A colaboração entre disciplinas enriquece o conhecimento dos pesquisadores e expande habilidades. Projetos interdisciplinares envolvem frequentemente a aquisição de competências em áreas fora da especialização original, aumentando a versatilidade e a capacidade de inovar dos profissionais.
Outro exemplo notável que se encaixa nessa perspectiva é a bioinformática, que une biologia, ciência da computação e matemática para analisar dados biológicos complexos.
Como se vê, pesquisas interdisciplinares tendem a ter uma relevância social mais imediata, visto que abordam questões de interesse público por meio de múltiplas lentes, produzindo resultados aplicáveis diretamente na sociedade.
A saúde pública, que frequentemente integra medicina, sociologia e estatística, exemplifica esse ponto, produzindo intervenções que melhoram a saúde e o bem-estar comunitário.
Barreiras institucionais e culturais
Há pelo menos duas décadas, a Zeppelini Publishers tem encorajado a abordagem interdisciplinar na pesquisa científica, considerando-a um caminho viável para solucionar um grave problema que tem tirado o sono de muitos editores – a escassez de submissões de artigos de qualidade.
A ideia é que editores saiam de suas disciplinas tradicionais e explorem a interdisciplinaridade. Isso significa publicar trabalhos que cruzem as fronteiras de diferentes áreas do conhecimento, o que pode aumentar a quantidade de submissões e enriquecer o conteúdo da revista.
Imagine um artigo escrito por um advogado sobre processos envolvendo cirurgias pediátricas, discutindo casos entre médicos e pacientes ou hospitais e pacientes. O texto poderia ser publicado em uma revista de pediatria. Embora possa parecer um exemplo inusitado, ele ilustra bem a ideia de misturar disciplinas aparentemente desconectadas.
Com isso, criar-se-ia uma perspectiva positiva para a geração de conhecimento diferenciado, estimulando a atração de um público leitor diverso. Essa estratégia de interseção entre diferentes áreas do conhecimento não só aumentaria o número de artigos submetidos, mas também enriqueceria o conteúdo gerado e o debate científico com abordagens inovadoras e multifacetadas.
Portanto, os editores devem ser encorajados a considerar essa abordagem interdisciplinar como um caminho viável para aumentar as submissões e diversificar o conteúdo de suas revistas.
Porém, é imperativo entender os meandros existentes na chamada cadeia produtiva da ciência. Primeiro, as instituições acadêmicas e de pesquisa são frequentemente organizadas em “silos disciplinares”, e este modelo dificulta a colaboração entre disciplinas. Além disso, as culturas e linguagens específicas de cada matéria podem criar barreiras de comunicação entre os pesquisadores.
Em segundo lugar, avaliar projetos interdisciplinares pode ser complicado, pois eles não se encaixam facilmente nos tradicionais critérios de avaliação. O financiamento para tais pesquisas também pode ser mais difícil de obter, já que agências de fomento frequentemente têm linhas específicas para disciplinas individuais. Por isso, construir critérios de avaliação e fundos específicos para projetos interdisciplinares é essencial para apoiar essas iniciativas.
Além disso, projetos interdisciplinares geralmente envolvem equipes grandes e diversificadas, tornando a gestão e a coordenação mais complexas. Integrar diferentes metodologias e abordagens pode resultar em conflitos e desafios de alinhamento. Desenvolver habilidades de liderança e gestão de projetos que reconheçam e respeitem a diversidade disciplinar é fundamental para o sucesso deste processo.
Exemplos bem-sucedidos
Projeto Genoma Humano. É um modelo icônico de pesquisa interdisciplinar global que combinou biologia, química, ciência da computação, engenharia e ética para mapear e sequenciar o genoma humano. Os resultados tiveram impactos profundos na medicina, na biotecnologia e na compreensão da biologia humana. Iniciado em 1990 e quase finalizado em 2003, cobriu em torno de 85% do genoma. O projeto alcançou o “genoma completo” em maio de 2021.
Iniciativa de Cidades Sustentáveis. Diversas cidades ao redor do mundo estão implementando projetos de sustentabilidade que envolvem urbanismo, engenharia, ciências ambientais e políticas públicas. Em Curitiba (PR), o desenvolvimento do sistema de transporte público sustentável exemplifica como a integração dessas disciplinas pode resultar em soluções inovadoras e eficazes para problemas urbanos complexos. Recentemente, a capital paranaense foi eleita a cidade mais inteligente do mundo pelo World Smart City Awards, prestigiado prêmio concedido pela Fira Barcelona, na Espanha.
Projeto Blue Brain. Trata-se de uma colaboração entre neurociência, ciência da computação e engenharia, que visa a reconstrução digital do cérebro de mamíferos, incluindo o humano. Iniciado em maio de 2005, este projeto interdisciplinar busca avançar na compreensão do cérebro e no desenvolvimento de novas tecnologias para o tratamento de doenças neurológicas, unindo conhecimentos de diversas áreas para alcançar um objetivo comum.
Reflexões e propostas
Para promover a interdisciplinaridade, entretanto, é essencial criar ambientes que incentivem a colaboração e a integração de diversas disciplinas. Isso envolve reformular estruturas institucionais, promover uma cultura de valorização do trabalho conjunto de diferentes perspectivas e desenvolver critérios de avaliação que reconheçam a complexidade e o valor dos projetos interdisciplinares.
Paralelamente, os financiadores devem considerar a criação de programas específicos que apoiem e garantam que essas iniciativas recebam os recursos necessários para prosperar.
Portanto, a pesquisa interdisciplinar representa uma fronteira necessária no avanço do conhecimento humano e na solução de problemas globais. Embora enfrente desafios significativos, suas vantagens superam as dificuldades, oferecendo um caminho promissor para a inovação e a relevância social, de modo que reúna as condições necessárias para construir um futuro mais sustentável, seguro e equitativo.
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(*) Fundada em 2000, a Zeppelini Publishers atua no segmento editorial técnico e científico, atendendo empresas e organizações e desenvolvendo estratégias para todas as áreas da produção de publicações impressas e online.
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