Nas últimas décadas, a comunicação científica no sul global — que abrange América Latina, África e Ásia — vem ganhando relevância e reconhecimento internacionais. Embora o sistema editorial científico tenha sido historicamente moldado por centros de produção e difusão localizados no Hemisfério Norte, um número crescente de periódicos independentes dessas regiões está demonstrando que é possível construir modelos sustentáveis, inovadores e de alto impacto sem depender de grandes conglomerados comerciais nem de taxas de publicação proibitivas.
Ao contrário do que ocorre em boa parte do circuito editorial hegemônico, onde o acesso ao conteúdo é frequentemente condicionado ao pagamento de assinaturas ou taxas de processamento de artigo (APC) que chegam a milhares de dólares, muitos periódicos do sul global adotaram o chamado modelo diamante. Nesse formato, nem leitores, nem autores pagam para acessar ou publicar, e os custos são absorvidos por universidades, agências de fomento, redes cooperativas ou organizações sem fins lucrativos.
Longe de ser apenas uma postura ideológica, essa escolha é sustentada por engenharia editorial, políticas públicas, plataformas tecnológicas abertas e processos de produção enxutos, capazes de garantir qualidade, visibilidade e interoperabilidade internacional.
América Latina
Na América Latina, o protagonismo é evidente. O ecossistema SciELO, criado no Brasil e hoje presente em mais de uma dezena de países, e a rede Redalyc/AmeliCA, sediada no México, representam exemplos maduros de como a cooperação regional pode viabilizar o acesso aberto com padrões editoriais rigorosos.
Essas plataformas padronizam metadados, oferecem ferramentas de interoperabilidade com bases globais e treinam equipes editoriais, criando condições para que mesmo periódicos pequenos tenham alcance internacional.
O caso das Memórias do Instituto Oswaldo Cruz é exemplar. Uma das revistas biomédicas mais antigas das Américas, ela foi pioneira na aceitação de preprints no Brasil, integrando-os ao SciELO Preprints e alinhando-se às políticas institucionais de ciência aberta da Fiocruz. Isso permitiu reduzir o tempo entre a submissão e a disseminação dos resultados, sem renunciar à revisão por pares.
No campo da saúde coletiva, Cadernos de Saúde Pública tem desempenhado um papel pedagógico ao publicar editoriais que orientam autores e pareceristas sobre como lidar com preprints, equilibrando rapidez e rigor científico.
Já a Revista Mexicana de Biodiversidad, publicada pela Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), alia bilinguismo, publicação contínua e ampla indexação (DOAJ, WoS, Scopus, SciELO), mostrando como a internacionalização pode caminhar junto da missão de documentar e preservar a biodiversidade regional.
África
O continente africano apresenta uma diversidade de iniciativas igualmente relevantes. A African Health Sciences, publicada pela Makerere University, em Uganda, é totalmente open access, não cobra APC e mantém governança acadêmica direta, com suporte da rede AJOL (African Journals Online).
Na África do Sul, a South African Journal of Science, sob responsabilidade da Academy of Science of South Africa (ASSAf), é um exemplo de como uma academia nacional pode sustentar uma revista generalista de impacto, cobrindo temas transdisciplinares e atendendo demandas de relevância continental.
Na Etiópia, o Ethiopian Journal of Health Development, vinculado à Universidade de Addis Abeba, também opera em modelo diamante, com revisão por pares robusta e indexação em bases internacionais.
Por trás de muitos desses títulos estão as plataformas Journals Online (JOLs), criadas com apoio da organização INASP e mantidas hoje por parcerias locais e pela Ubiquity Press. Elas fornecem hospedagem, padronização de metadados, treinamentos e métricas de uso, permitindo que periódicos com poucos recursos técnicos mantenham visibilidade global.
Ásia
Na Ásia, há experiências igualmente inspiradoras. O Current Science, publicado pela Current Science Association em parceria com a Indian Academy of Sciences, é uma revista interdisciplinar histórica, criada em 1932, que preserva o modelo diamante e mantém seu acervo integralmente aberto. No Sri Lanka, a Sri Lanka Journals Online (SLJOL), gerida pela National Science Foundation, reúne mais de 160 periódicos e 23 mil artigos, padronizando metadados e oferecendo estatísticas de acesso abertas ao público, um fator que aumenta a transparência e a confiabilidade.
O que esses casos têm em comum?
Ao analisar esses exemplos, fica claro que há padrões replicáveis:
– Financiamento compartilhado entre universidades, academias e agências públicas, reduzindo custos e preservando a gratuidade.
– Políticas claras de ciência aberta, incluindo aceitação de preprints, exigência de planos de disponibilidade de dados e uso de licenças abertas.
– Internacionalização estratégica por meio de metadados de qualidade, bilinguismo, publicação contínua e indexação múltipla.
– Governança acadêmica que garante autonomia editorial e evita dependência excessiva de métricas comerciais.
Para editores e publishers, esses modelos oferecem uma rota para aumentar a visibilidade sem onerar autores ou leitores, além de fortalecer a reputação da revista por meio da transparência e da adesão às melhores práticas editoriais globais.
Para financiadores, investir em infraestruturas abertas e cooperativas é uma estratégia de longo prazo que multiplica o retorno: cada real ou dólar aplicado beneficia não apenas um periódico, mas todo um ecossistema.
Os casos citados provam que a ciência feita fora dos grandes centros editoriais não só é capaz de atingir padrões internacionais, como também tem potencial para definir novas referências em sustentabilidade, equidade e impacto. Ao reconhecer e apoiar essas iniciativas, ampliamos a diversidade do conhecimento científico e fortalecemos sua circulação global.
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(*) Fundada em 2000, a Zeppelini Publishers atua no segmento editorial técnico e científico, atendendo empresas e organizações e desenvolvendo estratégias para todas as áreas da produção de publicações impressas e online.
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