Que a inteligência artificial teria um impacto significativo na criação de conteúdo em trabalhos científicos, isso já era aguardado. Da mesma forma, tanto pesquisadores quanto editores de periódicos sabiam que a IA desencadearia uma série de questionamentos e de problemas de ordem ética e metodológica.
E não deu outra. Os rápidos avanços dessa tecnologia levaram não somente à automação dos processos de análises de dados e de geração de hipóteses, mas também à construção não natural de relatórios de revisão por pares. Na visão da comunidade científica, essa nova realidade preocupa, especialmente quando o assunto é plágio.
Conforme definido pelo Escritório de Integridade em Pesquisa dos Estados Unidos, plágio é “a apropriação das ideias, processos, resultados ou palavras de outra pessoa sem dar o crédito apropriado”.
Uma pesquisa de 2023, com 1.600 pesquisadores, realizada pela Universidade de Ciências Aplicadas de Berlim, revelou que 68% dos entrevistados entendiam que a IA facilitaria o plágio e, simultaneamente, tornaria sua detecção mais difícil. Outro estudo anterior, de 2015, estimou que 1,7% dos cientistas haviam admitido plágio, e 30% conheciam colegas que o haviam cometido.
Afinal, já existem diversas ferramentas de IA com capacidade para gerar textos que imitam estilos específicos ou reescrevem conteúdo existente, dificultando a identificação de fontes originais e a detecção de plágio.
Neste contexto, explorar a estreita relação entre inteligência artificial e plágio é essencial para entender o fenômeno, mitigar riscos e aproveitar positivamente essa tecnologia para reforçar a confiança na produção científica e amplificar seu alcance, e não o contrário.
Dilema da detecção
Olha só que irônico. A mesma IA que facilita o plágio também pode ser utilizada para detectá-lo. Sistemas avançados empregam algoritmos que comparam grandes volumes de textos para identificar semelhanças e padrões suspeitos.
Contudo, a eficácia desses sistemas pode ser comprometida pela capacidade da inteligência artificial de criar variações suficientemente diferentes para enganar algoritmos de detecção tradicionais. Assim, há uma corrida constante entre a sofisticação dos métodos de plágio e a evolução das ferramentas de detecção.
Pilar fundamental da ciência, por garantir a qualidade e a integridade das publicações acadêmicas, o processo de revisão por pares também tem sido colocado à prova pela IA, com os revisores enfrentando novos desafios. Para superá-los, devem estar equipados com ferramentas adequadas e treinamento específico.
Plágio sofisticado
Os autores que buscam apoio da IA estão usando uma série de ferramentas e técnicas de inteligência artificial, e cada qual contribui para aumentar as chances de cometimento de plágio, mesmo que sem intenção. Conheça algumas:
Geradores de texto
Ferramentas como Chat GPT, da OpenAI; Bert, do Google; Bing, da Microsoft, e outros modelos de linguagem avançados podem gerar textos de alta qualidade que imitam estilos acadêmicos específicos. Eles podem criar conteúdo original parecido com trabalhos científicos existentes, muitas vezes dificultando a detecção de plágio pelos métodos tradicionais.
Parafraseamento automatizado
São programas baseados em IA podem reescrever texto de maneira a preservar o significado original, mas com uma estrutura diferente. Essas ferramentas são projetadas para criar variantes de um texto sem alterar o conteúdo essencial. No entanto, quando usadas para modificar textos científicos existentes, podem resultar em conteúdo que ainda carrega a marca de suas fontes originais, mas de uma forma que pode ser difícil de detectar.
Resumo automático
Há ferramentas que condensam artigos científicos longos em resumos mais curtos. Embora sejam geralmente originais, eles podem incluir frases ou ideias que são diretamente retiradas das fontes originais. Se usados para criar a base de um novo artigo, esses resumos podem contribuir para o plágio.
Modelos de tradução automática
Aplicativos como Google Translate e DeepL podem traduzir textos científicos de um idioma para outro. No entanto, pode resultar em textos que preservam a estrutura e o conteúdo do original, sem fornecer o crédito adequado às fontes originais.
Reescrita de texto
Ferramentas como Spinbot ou QuillBot são projetadas para alterar a redação de um texto sem mudar seu significado. Estas ferramentas podem reescrever trechos de artigos científicos de maneira que pareçam novos.
Análise e criação de hipóteses
Algumas ferramentas são capazes de avaliar grandes volumes de dados e gerar hipóteses ou conclusões com base em padrões identificados. Esses sistemas criam insights baseados em dados existentes, mas a linha entre criar conteúdo original e plagiar ideias de outros trabalhos pode se tornar tênue.
A ciência contra-ataca
Diversas iniciativas estão surgindo ao redor do mundo para detectar e combater o plágio por IA na produção científica. Exemplo desse movimento, a Universidade de Copenhague criou o Science AI Centre, que se concentra em promover a excelência na pesquisa e na educação em IA.
Esta área promove a colaboração interdisciplinar entre várias faculdades e parceiros para avançar nas pesquisas em IA, educar a próxima geração de especialistas em inteligência artificial e aplicar tecnologias para resolver desafios sociais. Além disso, a universidade tem sido ativa no desenvolvimento de um código de ética para IA.
Em 2023, uma renomada revista científica internacional publicou um artigo sobre biotecnologia que posteriormente foi retirado devido a acusações de plágio envolvendo inteligência artificial. O texto, inicialmente elogiado por suas contribuições inovadoras, foi submetido a uma revisão mais rigorosa após a denúncia de um pesquisador que notou similaridades com trabalhos anteriores na área.
A revisão revelou que os autores do artigo haviam utilizado um software de IA para gerar partes do texto, especialmente a introdução e a discussão dos resultados. A inteligência artificial reescreveu conteúdo de artigos existentes de tal forma que passava despercebido pelas ferramentas tradicionais de detecção de plágio. A equipe editorial da revista decidiu investigar todos os artigos submetidos pelos mesmos autores e descobriu um padrão de uso da IA para gerar conteúdo sem o devido crédito às fontes originais.
Esse caso levou a revista a implementar políticas mais rígidas para o uso de IA na redação de artigos e a exigir que os autores declarassem qualquer utilização de ferramentas de inteligência artificial no processo de escrita.
A revista também investiu em novas tecnologias de detecção de plágio, capazes de identificar variações estilísticas introduzidas por IA, e iniciou programas de treinamento para revisores e editores sobre os desafios éticos e metodológicos associados ao uso da inteligência artificial na pesquisa científica.
Ética e futuras direções
O uso ético da IA na pesquisa científica deve ser uma prioridade. Instituições acadêmicas e órgãos de financiamento precisam estabelecer políticas claras sobre o uso desta tecnologia, incluindo a transparência sobre como e quando elas são empregadas.
Além disso, precisam adaptar grades de ensino para a formação de pesquisadores com treinamento sobre ética em IA, para poderem reconhecer e evitar práticas de plágio facilitadas por essa tecnologia.
Para proteger a integridade da pesquisa científica, a comunidade acadêmica deve adotar uma abordagem proativa, combinando tecnologias de detecção avançadas com políticas robustas e educação ética.
À medida que a IA continua a evoluir, a comunidade científica deve estar vigilante e preparada para enfrentar os desafios que surgirem. Equilibrar os benefícios tecnológicos com a integridade acadêmica é a fórmula que vai garantir a ininterrupção das pesquisas e da apresentação de trabalhos de toda ordem, de maneira ética e responsável.
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