Quando retratar um artigo não é o bastante — Et al. #347

Ainda que a retratação tenha sido concebida para corrigir publicações científicas afetadas por erros graves, fraudes ou má conduta ética, na realidade ela já se mostrou um procedimento editorial que raramente põe fim aos problemas.

Entretanto, diante de atrasos nas investigações, conflitos entre autores e editores e da persistência de versões incorretas circulando na Internet, o processo de correção da literatura científica inclusive tem evidenciado vulnerabilidades estruturais que colocam em xeque a credibilidade do sistema editorial.

Embora, nos últimos anos, a quantidade de retratações tenha aumentado significativamente, isso, em si, não é um sinal negativo. Esse crescimento pode refletir maior vigilância e maturidade ética. Contudo, causam preocupação a lentidão e a ausência de transparência em muitas dessas decisões.

Há casos, por exemplo, em que a retratação só ocorreu anos depois da descoberta das irregularidades. Nesse intervalo, o artigo permaneceu acessível nas bases de dados, continuou sendo citado e ainda influenciou políticas públicas, revisões sistemáticas e decisões clínicas, mesmo após a identificação dos erros.

Portanto, retratar um artigo não significa, automaticamente, corrigir o registro científico. Há episódios emblemáticos em que estudos posteriormente considerados fraudulentos continuaram entre os mais citados de suas áreas, mesmo após alertas formais dos editores.

Isso ocorre, em parte, porque a retratação é tratada como um ato administrativo isolado, quando deveria ser um processo contínuo de comunicação científica. A simples publicação de um aviso de retratação, geralmente em linguagem jurídica ou evasiva, não garante que a comunidade compreenda o motivo da decisão nem que as versões erradas deixem de circular.

Política de retratação sob tensão

Muitos periódicos ainda carecem de protocolos claros sobre como conduzir investigações internas, comunicar decisões e atualizar registros em bases como PubMed, Scopus e Crossref. A falta de padronização cria um mosaico confuso: em alguns casos, o aviso de retratação é destacado na primeira página; em outros, aparece discretamente em um PDF anexo ou apenas na seção de “notas editoriais”.

Há situações em que o artigo é rotulado como “retratado”, mas permanece sem marca d’água ou metadados adequados, permitindo que seja baixado e citado como se fosse válido. Esse tipo de falha técnica, aparentemente menor, pode perpetuar desinformação científica por anos.

Além disso, a pressão por evitar constrangimentos institucionais leva muitos periódicos a adotar linguagem excessivamente ambígua, evitando termos como “má conduta”, “plágio” ou “falsificação”. O resultado é que o leitor médio não entende o real motivo da retratação, confundindo erro honesto com fraude deliberada.

Como se sabe, processos de investigação podem se estender por longos períodos; no entanto, é essencial que os responsáveis comuniquem essa condição de forma transparente, a fim de evitar que o estudo continue sendo citado ou utilizado em revisões clínicas. Além disso, quando houver retratação, o aviso editorial deve expor de maneira clara e objetiva os motivos que levaram à abertura do inquérito.

Considere, por exemplo, situações em que são identificados erros nos códigos de simulação utilizados em artigos de modelagem climática. A simples publicação de erratas não é suficiente para sanar o problema, uma vez que revisões parciais podem gerar inconsistências.

Em diversos casos, entretanto, tais correções resultam em versões divergentes de um mesmo estudo, algumas atualizadas, outras não. Isso provoca confusão entre leitores e revisores. Nesse cenário, a ausência de um protocolo claro para substituição e vinculação entre versões transforma um erro técnico isolado em uma questão de integridade científica.

Portanto, a retratação não deve ser vista como punição, mas como parte essencial do ciclo científico. A hesitação em agir rapidamente, por receio de manchar reputações, tem um custo maior: o da credibilidade de toda a comunidade.

Da reação à prevenção

O desafio atual das revistas científicas é migrar de uma postura reativa para uma política preventiva e transparente. A primeira etapa é reconhecer que a retratação é apenas uma das ferramentas disponíveis. Dependendo do caso, podem ser aplicadas alternativas intermediárias, como expressions of concern (declarações de preocupação) ou corrections of record, que sinalizam aos leitores que o artigo está sob revisão sem o remover de circulação prematuramente.

Além disso, a padronização técnica e semântica das retratações é crucial. Iniciativas como as promovidas pelo Committee on Publication Ethics (Cope) e pela Retraction Watch Database já defendem que todas as retratações contenham informações mínimas: o motivo, a parte responsável pela decisão, a data e o status de revisão. Essa transparência não busca constranger autores, mas reconstruir a confiança do público na ciência revisada por pares.

Outro passo fundamental: quando um artigo é retratado, o aviso deve ser vinculado em todos os repositórios e plataformas em que o texto esteja disponível, garantindo que o alerta acompanhe o conteúdo em qualquer base. Tecnologias como Crossmark e ROR IDs já oferecem caminhos para isso.

Urgência da celeridade

Tempo é um fator ético na integridade científica. A demora na investigação de irregularidades pode prolongar o impacto de informações incorretas. Por isso, recomenda-se que as revistas adotem prazos internos para conclusão de apurações, priorizando transparência mesmo quando o resultado ainda não estiver definido. Publicar uma nota provisória informando que o artigo está sob análise já representa um avanço sobre o silêncio institucional que hoje ainda predomina.

Do mesmo modo, editores e publishers precisam investir em comunicação pública eficiente: retratar um artigo não basta se leitores, jornalistas e indexadores não são informados adequadamente. A correção científica é tanto um ato editorial quanto uma ação de comunicação responsável.

O amadurecimento das políticas de retratação não depende apenas de novas normas, mas de uma mudança cultural profunda. É necessário que autores, revisores e instituições reconheçam a retratação como um mecanismo de aprendizado e de fortalecimento da ciência, e não como punição ou estigma.

Programas de formação em ética editorial, painéis de discussão e a publicação de relatórios anuais de integridade podem ajudar a normalizar o processo e reduzir resistências. Algumas revistas de grande impacto já adotaram a prática de divulgar estatísticas anuais de correções e retratações, demonstrando transparência e responsabilidade institucional. Esse é um modelo que deveria se tornar norma, e não exceção.

Retratar um artigo é apenas o começo de um processo mais amplo: o de corrigir o registro científico com agilidade, clareza e responsabilidade. As revistas científicas precisam evoluir para políticas dinâmicas de correção, que combinem rapidez, interoperabilidade e comunicação clara. A integridade científica não se preserva com silêncio, mas com transparência e com o reconhecimento de que errar é humano, porém corrigir com honestidade é o que mantém viva a confiança na ciência.

_____

(*) Fundada em 2000, a Zeppelini Publishers atua no segmento editorial técnico e científico, atendendo empresas e organizações e desenvolvendo estratégias para todas as áreas da produção de publicações impressas e online.

Foto: Rawpixel / Freepik