Revisão por pares aberta: transparência editorial ou exposição desnecessária de pareceres? — Et al. #335

A revisão por pares continua sendo o mecanismo central de validação do conhecimento científico, mas seu modelo tradicional, baseado no anonimato e na confidencialidade, tem sido cada vez mais contestado. A ascensão da ciência aberta impulsionou a adoção de modelos de open peer review (OPR), que buscam ampliar a transparência e a accountability no processo de avaliação.

Por isso, é importante analisar os diferentes formatos de OPR, seus impactos sobre o trabalho dos editores e pareceristas e discutir os efeitos percebidos e potenciais sobre a qualidade e a equidade no ecossistema científico. Argumenta-se que, embora o modelo aberto traga inegáveis avanços em termos de visibilidade e confiabilidade, ele também introduz tensões éticas, operacionais e estruturais que exigem cuidadosa ponderação por parte de periódicos e instituições.

Desde sua consolidação no século XX, a revisão por pares tornou-se um mecanismo crucial de regulação interna das comunidades acadêmicas. No entanto, o modelo tradicional, baseado em revisores anônimos que emitem pareceres confidenciais, tem sido objeto de críticas recorrentes: falta de transparência, subjetividade, conflitos de interesse ocultos, viés institucional, lentidão e até comportamentos antiéticos.

Em resposta a esses problemas, a revisão por pares aberta tem sido apresentada como alternativa mais condizente com os princípios da ciência aberta. A ideia central é simples: tornar visível o que antes era oculto. No entanto, as implicações dessa visibilidade são tudo menos triviais.

Entre idealismo e operacionalidade

A literatura especializada reconhece que “revisão por pares aberta” não é um modelo único, mas sim um guarda-chuva sob o qual coexistem práticas distintas.

Segundo diversos pesquisadores que abordam o tema, os principais componentes dos modelos de OPR devem incluir:

Revisão com identificação aberta: os nomes dos revisores são revelados aos autores e/ou ao público, promovendo accountability.

Publicação dos pareceres: os comentários críticos são divulgados juntamente com o artigo aceito, promovendo uma visão mais rica do processo avaliativo.

Comentários da comunidade: qualquer pesquisador pode contribuir com comentários públicos antes, durante ou após a publicação.

Revisão pós-publicação: o artigo é disponibilizado rapidamente, e os pareceres são incorporados em versões subsequentes.

Colaboração autor–revisor: comunicação direta e construtiva entre autores e avaliadores é estimulada, em vez de interações mediadas exclusivamente por editores.

Enquanto diversos periódicos e plataformas já adotam todos esses elementos simultaneamente, outros optaram por implementar modelos híbridos e gradativos, com adesão facultativa por parte dos revisores.

Editores no centro do redemoinho

A adoção de OPR transforma o papel do editor científico. De árbitro discreto, ele passa a ser moderador de discussões públicas, curador de pareceres abertos e gestor de novos riscos.

Entre as vantagens identificadas estão a melhoria na percepção de integridade e imparcialidade do processo editorial; a criação de um acervo de pareceres que contribui para a formação de novos revisores e autores; e o fortalecimento da reputação do periódico como promotor da ciência aberta.

No caso das desvantagens operacionais encontram-se a complexidade logística aumentada — mais interações, mais documentos, mais etapas; a necessidade de moderar comentários públicos, o que pode gerar dilemas éticos e legais; e o aumento do tempo necessário para a condução de cada submissão, especialmente em sistemas que adotam revisão contínua.

Ademais, os editores precisam lidar com a resistência cultural de autores e revisores acostumados ao anonimato e à confidencialidade. Implementar OPR exige, além de ferramentas tecnológicas, uma estratégia institucional de mudança de cultura.

Pareceristas entre visibilidade e vulnerabilidade

O trabalho de revisão, historicamente invisível e não remunerado, passa a ser publicamente exposto — uma mudança que é, ao mesmo tempo, oportunidade e ameaça.

Entre os potenciais benefícios para os pareceristas destacam-se a possibilidade de atribuição de DOI e citação dos pareceres, reconhecendo formalmente sua contribuição; o incentivo à elaboração de pareceres mais fundamentados e éticos; e a ampliação do prestígio entre pares ao demonstrar expertise crítica.

Já os riscos percebidos por revisores incluem a inibição de pareceres francos, sobretudo em avaliações negativas ou controversas; a preocupação com represálias profissionais, especialmente em campos competitivos ou entre revisores juniores; e o aumento da carga de trabalho e do tempo dispendido na revisão, pois pareceres públicos exigem maior rigor argumentativo e linguístico.

Vale destacar que a desigualdade epistêmica se agrava nesse contexto: revisores de regiões ou instituições periféricas podem se sentir mais expostos ao julgamento, enquanto aqueles de centros de excelência tendem a usufruir de maior imunidade crítica.

Equidade no centro da discussão

Um dos argumentos mais utilizados a favor da OPR é sua capacidade de promover justiça epistêmica e combater vieses. No entanto, a equidade não é um resultado automático da transparência — e pode inclusive ser prejudicada se o sistema for mal implementado.

Podem contribuir para maior equidade a redução de práticas predatórias e discricionárias na rejeição de artigos; a ampliação da diversidade de vozes, ao permitir comentários abertos da comunidade científica; e o estímulo à participação de pesquisadores independentes, não vinculados a grandes centros editoriais.

Sobre os fatores de risco estão a pressão para autocensura de revisores vulneráveis; a consolidação de um “teatro de consenso”, onde críticas são atenuadas em nome da reputação pública; e a sobrerrepresentação de autores e pareceristas anglófonos e de elite, em detrimento da diversidade regional, linguística e disciplinar.

A equidade requer, portanto, não apenas visibilidade, mas mediação justa, formação continuada e incentivos institucionais estruturados.

Qualidade: melhora mensurável ou ilusão de transparência?

A avaliação da qualidade dos pareceres sob OPR é uma questão empiricamente investigável. Diversos estudos apontam tendências interessantes, como a identificação aberta, que tende a elevar o tom formal dos pareceres e reduzir a incidência de linguagem hostil; a maior dedicação e atenção ao conteúdo pelos revisores, uma vez que seus comentários serão publicados; e a existência de uma tendência a pareceres excessivamente diplomáticos.

Em síntese, a transparência pode melhorar a forma da crítica, mas não garante automaticamente maior conteúdo crítico ou rigor metodológico. Por isso, OPR deve ser acompanhado de treinamentos específicos e reforço institucional ao papel do revisor.

Reformar sem destruir

A revisão por pares aberta representa um desvio importante no debate sobre a produção e avaliação do conhecimento científico. Mas sua adoção não deve ser romântica nem coercitiva. É fundamental equilibrar inovação com cautela, e abertura com proteção.

Para tanto, não poderíamos deixar de fazer algumas recomendações para editores e publishers. Em primeiro lugar, implementem modelos híbridos e progressivos, com adesão voluntária; ofereçam treinamento e apoio para revisores e editores lidarem com a OPR; monitorem e publiquem dados sobre o desempenho da OPR em seus periódicos; desenvolvam códigos de conduta claros para comentários abertos; e estimulem o reconhecimento formal de pareceres como produção acadêmica válida.

A OPR não é um fim em si, mas um meio para fortalecer a integridade, a confiança e a justiça no ecossistema científico. Sua eficácia dependerá, sobretudo, da capacidade de equilibrar transparência com responsabilidade, visibilidade com proteção, e acesso com inclusão.

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