Custos de publicação científica: É possível debater transparência e sustentabilidade? — Et al. #328

A publicação científica é, ao mesmo tempo, o principal veículo de validação da pesquisa e o meio pelo qual a ciência dialoga com o mundo. No entanto, esse sistema acabou tornando-se refém de uma lógica mercantilizada e pouco transparente, que coloca em tensão três pilares fundamentais: custos de publicação, qualidade editorial e acesso aberto.

O avanço das tecnologias digitais parecia, inicialmente, prometer a democratização do conhecimento. No entanto, o que se observou até agora é uma transformação ambígua: a migração dos custos da leitura para os autores, sem, necessariamente, promover maior equidade ou transparência no processo editorial.

A ideia deste artigo é propor uma reflexão crítica sobre os desafios e estratégias para equilibrar essas forças, ilustrando a discussão com exemplos reais e provocando um debate necessário sobre o futuro da ciência aberta.

Crise de modelo ou de propósito?

O sistema de publicação científica atual é herdeiro de um modelo que remonta aos séculos XVII e XVIII, mas que se complexificou com a internacionalização da ciência, o advento da Internet e a concentração editorial em poucas corporações.

Estima-se que cinco grandes editoras controlem mais de 50% dos artigos publicados anualmente no mundo. Esse desequilíbrio estrutural gera uma crise de propósito. O sistema deveria existir para facilitar a disseminação e validação da ciência, mas tornou-se um fim em si mesmo, guiado por métricas de impacto, rankings e lucros editoriais.

Como consequência, há uma hipertrofia de periódicos com altos fatores de impacto, que operam como “clubes fechados”, inacessíveis à maioria dos cientistas, especialmente os de países do Hemisfério Sul.

Paradoxo do acesso aberto

O movimento do acesso aberto (open access) surgiu como resposta crítica a esse modelo, com a proposta de tornar o conhecimento científico disponível gratuitamente ao público, sem barreiras de assinatura.

No entanto, à medida que foi incorporado pelas grandes editoras, o open access passou a adotar o modelo de “autor-pagador”, através das chamadas Article Processing Charges (APCs). Essa lógica transformou o acesso em um bem gratuito, mas a publicação em um produto elitizado.

Um exemplo paradigmático é o da revista Nature Communications, que cobra atualmente uma APC de aproximadamente 7 mil dólares por artigo. Já a Cell Reports, da Elsevier, cobra a partir de absurdos (exploratórios) 5.620 dólares, podendo ultrapassar 10 mil dólares em algumas edições especiais.

Para pesquisadores de universidades com poucos recursos, principalmente em países em desenvolvimento, esses valores são inatingíveis, ainda que existam programas de isenção limitados.

Com isso, instala-se um novo tipo de desigualdade: a gentrificação da ciência, onde apenas pesquisadores de elite (ou de instituições com financiamento robusto) conseguem publicar em canais de alta visibilidade. Assim, ao invés de universalizar o conhecimento, o modelo atual do open access reforça barreiras estruturais e epistemológicas.

Falta de transparência

A ausência de transparência nos custos editoriais é outro fator que compromete a credibilidade do sistema. Poucas revistas divulgam detalhadamente como calculam suas APCs. Quais são os custos reais de revisão, edição, diagramação e hospedagem digital de um artigo? Por que dois periódicos com escopo e público-alvo semelhantes cobram valores tão distintos?

Essa opacidade dificulta a auditoria pública e impede que os órgãos de fomento avaliem a racionalidade dos gastos. No caso de periódicos comerciais, muitos autores desconhecem o destino de seus pagamentos, enquanto os revisores — peças-chave do processo — não são remunerados, criando um modelo assimétrico de exploração.

Modelos alternativos e práticas sustentáveis

Apesar das distorções do sistema dominante, existem experiências exitosas de publicação científica ética, acessível e financeiramente sustentável. A Public Library of Science (PLoS), uma das pioneiras do acesso aberto, tem experimentado o modelo de Community Action Publishing, em que os custos são rateados entre instituições participantes, permitindo a publicação sem cobrança direta aos autores.

Outro exemplo relevante é o da plataforma SciELO. Sustentada por agências públicas e consórcios institucionais, ela permite acesso livre e gratuito, sem cobrança de APCs, mantendo um rigoroso processo de revisão por pares. Seu sucesso prova que é possível aliar qualidade editorial, transparência e sustentabilidade, desde que haja vontade política e investimento público.

Na Europa, o consórcio cOAlition S e o plano Plan S impulsionam uma transformação semelhante, exigindo que pesquisas financiadas com recursos públicos sejam publicadas em acesso aberto, em plataformas que garantam transparência de custos e práticas editoriais éticas.

Conivência ou ruptura?

A universidade e a comunidade acadêmica precisam reconhecer seu papel na manutenção — ou na superação — desse sistema. As práticas de avaliação científica, centradas em métricas como o Journal Impact Factor e o Qualis Capes, incentivam a submissão a periódicos de alto custo, independentemente de seu real impacto social ou científico.

Romper com essa lógica exige mudanças profundas: é preciso redefinir os critérios de avaliação acadêmica, reconhecer o valor dos periódicos de acesso aberto sustentáveis e construir redes de publicação colaborativas e transparentes.

Agências de fomento, como Capes, CNPq e Fapesp no Brasil, podem liderar esse movimento ao vincular financiamentos a práticas editoriais mais inclusivas e éticas.

Futuro em disputa

Transparência e sustentabilidade na publicação científica não são apenas problemas administrativos, mas questões estruturais que definem quem produz, publica e consome ciência. O modelo atual está em crise não apenas por sua ineficiência, mas por seu desalinhamento com os princípios fundamentais da ciência: universalidade, abertura, colaboração e ética.

“A comunidade científica precisa fazer uma crítica incisiva à mercantilização do sistema de publicação científica, que, ao invés de democratizar o conhecimento por meio do acesso aberto, cria uma nova elite de pesquisadores ao transferir os custos da leitura para a publicação, gerando um modelo opaco e elitizado que desvirtua o propósito original da disseminação científica. Acontece que nosso sistema de pós-graduação ainda tem valorizado a quantidade de artigos publicados, o que alimenta ainda mais esta dinâmica. Precisamos, sim, orientar nossos pesquisadores a publicar aquilo que é relevante cientificamente e com isso certamente teremos o Brasil colocado em uma posição mais elevada nos rankings de impacto da ciência”, afirma Rui Seabra Ferreira Junior, ex-presidente da Associação Brasileira de Editores Científicos – ABEC (2016-2020) e editor-chefe do Journal of Venomous Animals and Toxins including Tropical Diseases (JVATiTD).

Como se vê, o momento é oportuno para o debate, mas ele deve ser conduzido com muito cuidado. Precisamos perguntar não apenas quanto custa publicar, mas quem paga esse custo, quem lucra com ele e que ciência queremos construir.

O futuro da produção científica — especialmente nos países em desenvolvimento — depende de nossa capacidade de criar alternativas viáveis, transparentes e verdadeiramente democráticas.

A POSIÇÃO DA ZEPPELINI

A Zeppelini defende o modelo de acesso aberto (open access) como uma forma ética e democrática de disseminar o conhecimento científico, permitindo que qualquer pessoa, independentemente de vínculo institucional ou capacidade financeira, possa acessar conteúdos acadêmicos de qualidade. No entanto, essa abertura não elimina os custos reais de publicação, que envolvem desde a avaliação por pares até o processo editorial e a manutenção das plataformas digitais. Por isso, a Zeppelini sustenta que os encargos devem ser assumidos pelos próprios autores ou pelas instituições que apoiam suas pesquisas (ou ambos), em vez de serem transferidos aos leitores ou utilizados para gerar lucro às editoras.

Nesse sentido, a Zeppelini propõe um modelo de custeio transparente e equilibrado, com valores que variam entre 150 e 300 dólares por artigo, ajustados conforme a complexidade e extensão do trabalho. A ideia não é transformar os periódicos em empreendimentos comerciais, mas sim garantir a sustentabilidade do processo editorial sem comprometer o acesso livre à informação. Esse posicionamento busca conciliar responsabilidade financeira com o compromisso com a ciência aberta, promovendo uma cadeia editorial mais justa, viável e voltada à circulação do conhecimento.

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(*) Fundada em 2000, a Zeppelini Publishers atua no segmento editorial técnico e científico, atendendo empresas e organizações e desenvolvendo estratégias para todas as áreas da produção de publicações impressas e online.

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