Inteligência artificial generativa na pesquisa científica: ferramenta revolucionária ou risco ético? – Et al. 322

A inteligência artificial (IA) generativa, impulsionada por avanços em modelos de linguagem natural e redes neurais profundas, tem se consolidado como uma ferramenta poderosa na pesquisa científica contemporânea. Aplicativos como ChatGPT, Claude, Gemini e ferramentas especializadas, como SciSpace e Elicit, já são amplamente utilizados para agilizar processos de escrita, revisão e tradução de conteúdo acadêmico.

Diante desse cenário, surgem debates intensos sobre o papel da IA: seria ela uma aliada revolucionária na produção científica ou um vetor de riscos éticos inéditos? Este artigo levanta o debate sobre as potencialidades e os perigos da IA generativa, com foco na aceleração da pesquisa, no risco de plágio e nas boas práticas necessárias para seu uso ético e responsável.

Revolução possível

Historicamente, a produção científica sempre esteve atrelada a métodos laboriosos de coleta, organização e interpretação de dados. Com o surgimento da IA generativa, este paradigma está sendo desafiado. Estudos conduzidos por Lundberg et al. (2023) apontam que pesquisadores que integraram IA em seus fluxos de trabalho reportaram aumentos de produtividade da ordem de 35% a 50%, especialmente em tarefas de revisão bibliográfica e redação inicial de textos.

Ferramentas como o Elicit podem filtrar e resumir literatura científica de forma semiautomatizada, permitindo que pesquisadores encontrem artigos relevantes em segundos. Modelos de IA também têm auxiliado na identificação de tendências de pesquisa, na sugestão de hipóteses e até na estruturação lógica de artigos científicos complexos. Esse suporte é especialmente relevante em um contexto em que a quantidade de artigos publicados cresce exponencialmente a cada ano, dificultando o acompanhamento manual das novidades.

Além disso, a IA promove a democratização do conhecimento científico. Pesquisadores de países em desenvolvimento, que enfrentam barreiras linguísticas ou dificuldades de acesso a bases de dados atualizadas, podem se beneficiar de tradutores automáticos baseados em IA, como o DeepL e o Google Translate aprimorado por IA, com resultados de qualidade competitiva, conforme estudo de Vasquez et al. (2023).

Riscos éticos

Entretanto, o uso indiscriminado e não crítico da IA generativa traz consigo desafios éticos profundos. O plágio, talvez o mais evidente, pode ocorrer de forma involuntária. Como demonstrado por Lee e Richards (2023), grandes modelos de linguagem, treinados em grandes conjuntos de dados públicos disponíveis, às vezes reproduzem trechos textuais idênticos aos originais sem o devido crédito.

Além disso, a chamada “alucinação” da IA — a produção de informações imprecisas ou fictícias — representa outro perigo significativo. Pesquisas conduzidas pela OpenAI, em 2023, mostraram que, em cerca de 12% dos casos, modelos generativos produziram citações inexistentes ou interpretações incorretas de conceitos científicos. Em um ambiente acadêmico, onde a precisão é um valor inegociável, tal comportamento é inadmissível.

A dependência excessiva de IA pode, ainda, comprometer o desenvolvimento de habilidades críticas nos pesquisadores, especialmente entre estudantes e jovens acadêmicos. Conforme alerta Floridi (2023), “a terceirização do raciocínio crítico para máquinas ameaça empobrecer a cultura científica e desvalorizar a autoria humana.”

Outro ponto crítico é a questão dos direitos autorais e da propriedade intelectual. A utilização de textos gerados pela IA pode infringir leis de copyright, mesmo sem intenção explícita, gerando riscos jurídicos tanto para autores quanto para instituições acadêmicas.

Uso ético da IA

Para maximizar os benefícios e mitigar os riscos, torna-se fundamental estabelecer diretrizes claras e adotar boas práticas no uso de IA na produção acadêmica:

Transparência e declaração de uso: Todo trabalho acadêmico que tenha contado com suporte de IA deve explicitar essa colaboração. Algumas revistas científicas já exigem declarações específicas nesse sentido, como a Nature e a Science.

Supervisão humana rigorosa: A produção textual mediada por IA deve ser cuidadosamente revisada por especialistas humanos, não apenas para detectar erros factuais, mas também para assegurar a originalidade, a profundidade analítica e a aderência às normas éticas.

Ferramentas antiplágio: Softwares de detecção de similaridade, como Turnitin e iThenticate, devem ser utilizados para examinar textos gerados ou assistidos por IA.

Formação ética contínua: É imperativo que universidades, agências de fomento e associações científicas promovam programas de capacitação ética focados no uso de IA, reforçando princípios de autoria, originalidade e responsabilidade acadêmica.

Restrições no uso de ia para geração de resultados: Em pesquisas científicas, a IA pode ser utilizada para auxiliar na análise de dados, mas a interpretação crítica e a geração de conclusões devem permanecer exclusivamente sob a responsabilidade do pesquisador humano.

Reflexões

O avanço da IA na pesquisa acadêmica é inevitável. O desafio reside em estabelecer um equilíbrio saudável entre inovação tecnológica e preservação dos valores fundamentais da ciência: rigor, ética e criatividade.

Em alguns campos, como a medicina e o direito, comitês de ética e regulamentações específicas já estão sendo formulados para balizar o uso de IA. Em 2021, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) lançou diretrizes para o desenvolvimento ético da inteligência artificial, enfatizando a necessidade de responsabilidade, inclusão e respeito pelos direitos humanos.

Assim, a questão não é “se” devemos usar IA na pesquisa científica, mas “como” fazê-lo de maneira a fortalecer — e não corroer — a credibilidade da ciência. Cabe à comunidade acadêmica estabelecer os limites, as práticas e as salvaguardas necessárias para que a IA se torne uma parceira virtuosa e não uma ameaça silenciosa.

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